O estigma das mães enlutadas: a dor que vem do olhar do mundo
- Tatiana Moita

- 22 de jul.
- 2 min de leitura

Ser mãe enlutada é carregar uma ausência que nunca se preenche. É viver com uma dor que não tem nome, porque perder um filho não faz parte da ordem natural da vida. E, ainda assim, o que machuca muitas vezes não é só a dor da perda, mas o modo como o mundo passa a nos ver depois dela. Existe um estigma cruel que recai sobre nós, mães que perdemos nossos filhos. Um olhar que nos reduz à pena, à tristeza, ao incômodo. Como se, a partir do luto, deixássemos de ser inteiras. Como se fôssemos um lembrete indesejado daquilo que ninguém quer imaginar: a morte de um filho.
Nos veem como frágeis, lamuriosas, chorosas. Como se a dor nos anulasse por completo. E se esquecem de olhar além da dor. Esquecem que também somos mulheres que amam, que sentem, que ainda vivem. Que seguimos em frente e não porque a dor passou, mas porque aprendemos a carregar a ausência com dignidade. É verdade que algumas mães não conseguem elaborar seu luto. Elas sofrem profundamente, se afundam, se calam. Mas mesmo essas precisam de cuidado, acolhimento, apoio. Nunca de julgamento. Nunca de isolamento.
Eu tive tudo isso: rede de apoio, carinho, amor, terapia. Tive quem caminhasse comigo e me ajudasse a reaprender a viver. Mas o estigma permanece. E ele fere. Fere quando alguém evita um convite com medo da minha presença “trazer tristeza”. Fere quando nos veem como peso. Fere quando acham que, ao falar do meu filho, estarei me lamentando, como se lembrar dele fosse um ato de dor, e não de amor. Não é a dor que me isola. É o preconceito. É o olhar atravessado. É o julgamento escondido atrás de sorrisos forçados.
E fere também o modo como muitas vezes somos tratadas como se só houvesse espaço para a tristeza em nossas vidas. Como se tudo em nós tivesse que girar em torno da perda. Mas não. O luto faz parte de quem somos, sim, mas não é tudo o que somos. Precisamos também de leveza, de descontração, de momentos de alegria. Precisamos ser vistas por inteiro e isso inclui a dor, mas também o riso, o amor, a força e a vontade de continuar vivendo.
Não queremos que nos olhem com pena. Não somos coitadas. Somos mães. E ser mãe não acaba com a morte. Ser mãe de um filho que se foi é amar no silêncio, é falar dele com carinho, é lembrar com ternura. E se alguém quiser me ouvir falar dele, eu falo com o maior prazer. Porque meu filho existe em mim. E falar sobre ele é também uma forma de mantê-lo vivo.
A dor está aqui, mas ela não grita o tempo todo. Ela vive em mim, mas não me define. Eu não me torno uma sombra porque perdi um filho. Eu sigo sendo luz. Uma luz diferente, mais densa, talvez, mas ainda assim luz.
Antes de julgar, olhe com humanidade. Antes de rotular, escute. Antes de afastar, se aproxime. Mães enlutadas não precisam de pena. Precisam de respeito. E, acima de tudo, precisam continuar sendo vistas como pessoas inteiras, capazes de amar, sorrir, chorar, existir e também, apesar de tudo, viver.





















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